quarta-feira, julho 30, 2008

Feeling

Eu quero que ele exploda. Mentira. Mas eu queria querer que ele se explodisse. Pra que foi me tratar bem, se depois ia me tratar mal como todos os outros? Quase trinta anos de aperfeiçoamento na arte de lidar com quem me trata mal, e vem esse famigerado me tratar bem, me dar momentos de pequenas epifanias... Pra que? Pra ser tudo igual depois? Que fosse indiferente de cara, que fosse como todos logo de inicio, que me comesse e pronto. Eu sei lidar com isso. Mas não, ele nem me comeu, ele me tratou bem! O pior, nem me tratou bem porque queria me comer! Ele abriu a porta do carro, ele me ouviu. Ele não se atravessou nas coisas que eu dizia. Ele perguntou se a música que tocava no carro estava boa. Ele segurava as minhas mãos enquanto eu falava. Ele me levou até em casa. Me deu apenas um beijinho de despedida, todo terno, carinhoso. Nada de pegação. Ele me ligou no dia seguinte para ver como eu estava. Disse que tava com saudades. Louco pra me ver de novo. Agora me explica pra que? Se ia ser indiferente depois. Se ia me judiar. Eu sou expert em sofrer, em lidar com canalhas, em ser mais sarcástica que todos juntos. Eu me viro bem nisso. Eu sei latir mais alto. Agora, vem a criatura e me trata bem! Me desarma toda, pergunta da minha vida, e das minhas vontades... Esta cagando para meus ex’s. Ex-rolos. Ex-namorados. Ta nem ai pra eles todos. Não me falou das suas ex’s. Sequer sofre por algumas delas. Não quis falar de sacanagem, nem passou pela cabeça. Queria saber de mim. Vê se pode? Eu mereço isso? A pessoa interessada em mim! No que eu penso! Não sei lidar com isso. Meio que perdi o rumo, perdi a onda. Viajei na maionese. Que fosse um canalha que se assume. Eu sabia o que fazer. Eu sou expert em canalhas, meus dedos sempre me ajudaram nisso, bem ensinados todos! Mas não! Era lobo mau em pele de cordeiro. Ele andava com a mão nas minhas costas por cuidado. Ele puxou a cadeira para que eu sentasse. Coisa chata. Só tinha olhos pra mim, e nem era pra me levar pra sua cama depois. Não atendeu ao celular quando ele tocou. Não queria que nos incomodassem. Fez tudo errado. Mas pra que? Se depois foi fazer tudo certo. Tudo como eu estou acostumada? Pra que bagunçar tanto? Quase trinta anos servindo de capacho e vem o desavisado a me tratar bem, só pra me dar o gostinho, só pra que eu visse como era, só pra que eu achasse que poderia me acostumar com aquilo. Tsc! Não limpou os pés na entrada, mas limpou na saída. Claro, eu não podia ter perdido o feeling.


* Inspirada numa crônica da Tati Bernardi.

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