Lendo o texto da Oksana, resolvi falar de mim, de minha infância, não com a maestria que ela escreve e nem com a profundidade de suas lembranças...
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Eu não sei exatamente qual a minha lembrança mais antiga, eu não consigo pensar nela de forma clara, várias lembranças me vem a mente de forma confusa, misturada, mas lembro-me de bem pequena sentada na casa do meu avô descruzando os seus dedos dos pés que teimavam em ficar um por cima dos outros, lembro-me de vê-lo correr para tomar banho e colocar o paletó, quando chegávamos com a máquina fotográfica. Lembro-me dele, com seu chapéu de palha, sandálias de couro me convidando pra dar uma volta pela fazenda. Por sinal tenho muitas recordações da fazenda, onde eu passava todas as minhas férias junto ao meu pai, correndo, tomando banho de açude, brincando os filhos dos peões, quando íamos comer uvas no parreiral e voltávamos todos roxos porque sempre acabávamos fazendo guerra.
Lembro de um pouco maior, com os meus 6 anos, enganar duas gêmeas que moravam ao lado da casa da minha tia, fazendo que me empurrassem mais na rede do que eu a elas... De correr pelo campo catando dentes-de-leão com meus primos, de termos entrado na cachoeira e de termos saído 5 minutos depois cheia de sanguessugas. Ainda na fazenda me lembro de uma tia, ainda viva, que desde quando eu era pequena sempre me pareceu velhinha de mais, das coisas gostosas que ela fazia pra comermos, e de como nunca dizia não a um pedido nosso. Doce de leite, chimia, queijo, ambrosia, sopa de capeleti, tudo era feito de bom grado, engordava sempre que ia lá. Eu era seca quando criança, daquelas que se contava os ossos, pena que quando a gente cresce tem coisas que mudam, queria ter continuado magra como era.
Na rua que morávamos, em frente de casa tinha uma seringueira enorme e passava praticamente o dia brincando em frente de casa, era uma rua calma, arborizada. Lembro que sempre fui "a dona da razão", e chegava a bater em algumas amigas, essa mania terminou quando minha mãe mandou elas me baterem quando eu fizesse isso. Nunca tive uma melhor amiga, eu me dava com todos, todos sabiam dos meus segredos, talvez por isso eu não tenha muitos segredos, achava sem graça tê-los e ter que escolher com quem compartilhar, achava injusto.
Quando entrei na escola, percebi que estava no meu lugar, adorava, como ainda adoro, estudar, livros, meus intervalos eram recheados de passadas na biblioteca, e mesmo sempre fazendo parte da turma do fundo eu era boa aluna. Muito boa pro sinal, daquelas que recebia vários elogios, até a terceira série, onde decidi que não gostava da professora e fiz da vida dela um inferno. E conseqüentemente da minha também.
É vivo na minha memória o dia que minha mãe me sentou e me explicou que eu não poderia trazer pra casa todos os animais que eu encontrava pela rua, pois não tínhamos lugar para tantos bichos. Nunca dei ouvidos ao que ela dizia, continuava catando os bichinhos pela rua e chorando pra que ela alimentasse e cuidasse deles até encontrar alguém pra dar.
Na quarta série já tinha uma visão de mundo maior que outras crianças, já me interessava pelo que acontecia de forma mais global e mais amplo que meu próprio umbigo, me lembro que fizemos um trabalho de tema livre e eu escolhi falar do trabalho penitenciário. E com essa idade eu já criticava o governo, a sociedade e fazia parte do grêmio estudantil da escola, onde a maioria dos integrantes era da 7° série, claro que ter uma irmã mais velha estudando lá ajudou. Foi também na quarta série me apaixonei pela primeira vez, o único loiro que me senti atraída pra falar a verdade, mas acabei namorando outro, que me deu meu primeiro beijo, o loiro era muito esnobe. Seria por isso que hoje não gosto de loiros? Esses dias encontrei ele no Orkut (o loiro) fiquei feliz por não ter namorado com ele, se eu era seca e engordei ele fez isso em dobro. O do primeiro beijo, Daniel, por mais que procurasse no Orkut não encontrei, nem sua irmã Luciana, minha colega a grande amiga na época.
Quando aos 10 anos perdi meu pai, briguei com o mundo, a pessoa que eu mais confiava tinha mentido pra mim, a pessoa que me disse que nunca iria me deixar, tinha me abandonado sem ao menos me dizer adeus, e não adiantou eu gritar, eu chorar eu excomungar o mundo, nada resolveria, ele simplesmente tinha ido e eu não podia fazer mais nada. Essa é a minha primeira lembra da impotência, de inércia. Não era justo e se o mundo não era bom comigo eu não precisava ser bom com ele. Briguei com Deus.
A rebeldia começou com 11 anos e atingiu o ápice aos 14 anos, tive um adolescência conturbada, onde experimentei tudo que podia ter experimentado, onde o objetivo era chocar e assim eu fazia, usei drogas, me vestida de forma completamente diferente da sociedade, mas eu sabia, era algo muito mais externo do que o meu eu mesmo, no meu interior eu ainda escorregava nos sacos de ração com meus primos e soprava dentes-de-leão ao vento. Era eu tentando me encontrar. E então com 18 anos mais uma vez dou um giro de 180° e mudo completamente minha vida, veio o primeiro amor, a vivência mais maluca e mais intensa que eu tive de paixão, a primeira dor, o primeiro desespero, e uma das grandes burradas de toda minha vida. O desespero era tanto que acreditei que ceifar minha vida valeria a pena, e tentei, tentei mesmo, mas não estava escrito que seria assim. Foi nesse momento que reencontrei Deus e fizemos as pazes.
Alguns amores e dissabores depois veio meu filho, o maior presente que poderia ter ganho. A certeza de que este sim é o amor mais incondicional e verdadeiro que podemos dar para alguém. Com isso a faculdade antes algo que me fascinava e era minha vida, onde fiquei uma aula discutindo com um professor por não concordar com as suas idéias, ficou pra trás, um dia a retomo, mas naquela momento era inviável dividir a minha vida, com alguém tão pequeno dependendo unicamente de mim.
Depois disso, costumo dizer que Deus, me colocou a prova e eu venci, venci um câncer, e fiz com que muitos dos meus conceitos mudassem, vi que a felicidade é algo tão mais pequeno e mais fácil do que imaginamos, do que buscamos e do que procuramos, por isso talvez ela nos escape tantas vezes. E descobri que vc faz a felicidade a cada momento, a cada dia. Por mais difícil que isso seja e com certeza eu não consigo fazê-lo sempre, fiquei mais leve em relação ao mundo, muito mais tolerante comigo e com os outros.
Hoje vivendo um amor diferente, algo calmo, onde tenho que aprender que talvez compreensão seja a chave de tudo. E hoje faltando dias para completar 27 anos me lembro que quando pequena sonhava com as estrelas, as adorava, elas pra mim eram mágicas e capazes de qualquer realização, minha mãe me dizia para não apontá-las pois os dedos encheriam de verrugas. Sei que eu vivia com verrugas... Hoje olhando os dedos das crianças não vejo mais verrugas, não sei se elas deixaram de acreditar nas estrelas, ou passaram a obedecer as mães....
Beijos pessoas e desculpa o tamanho do texto, eu fui me empolgando rs
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