Saltar! Fechar os olhos... Sentir as borboletas... É borboletas andam a me rondar... Quem diria? Nem eu me atreveria a dizer... Minha amante Esperança em plena juventude tentou se matar. Despertando no hospital deparou com uma enfermeira que a interpelou: Mas por quê, por quê? Ela respondeu, sucinta, lúcida, plena de sua própria dor: Sem esperança. Todos conhecemos esses dias sem horizonte à vista. A experiência nos ensina que eles passam, a não ser que estejamos doentes ou sejamos ferrenhos pessimistas por natureza ou formação. Ser mais ou menos otimista depende de criação, ambiente familiar, disposição genética (ah, a genética da alma...), situações do momento. Claro que ter confiança quando se está contente é fácil. Mas não somos só nossa circunstância, somos também nossa essência. Não nos salva o enquadramento medíocre e burocrático das almas documentais, mas o vasculhar corajoso dentro de si para encontrar o material essencial, e abraçado a ele saltar, às vezes até mesmo sem rede nem garantia. E porque não saltar? E porque não arriscar?
Foram-se os amores que tive ou que me tiveram: partiram num cortejo silencioso e iluminado. O tempo me ensinou a não acreditar demais na morte nem desistir da vida: cultivo alegrias num jardim onde estamos eu, os sonhos idos, os velhos amores e seus segredos. E a esperança – que rebrilha como pedrinhas de cor entre as raízes. Constituir um ser humano, um nós, é trabalho que não dá férias nem concede descanso: haverá paredes frágeis, cálculos malfeitos, rachaduras. Quem sabe um pedaço acaba por desabar. Mas se abrirão também janelas para a paisagem e varandas para o sol. O que se produzir - casa habitável ou ruína estéril - será a soma do que pensaram e pensamos de nós, do quanto nos amaram e nos amamos, do que nos fizeram pensar que valemos e do que fizemos para confirmar ou mudar isso, esse selo, sinete, essa marca. Porém isso ainda seria simples demais: nessa argamassa misturam-se boa-vontade e equívocos, sedução e celebração, palavras amorosas e convites recusados. Participamos de uma singular dança de máscaras sobrepostas, atrás das quais somos o objeto de nossa própria inquietação. Nem inteiramente vítimas nem totalmente senhores, cada momento de cada dia um desafio. Essa ambigüidade nos dilacera e nos alimenta. Nos faz humanos. Penso que no curso de nossa existência precisamos aprender essa desacreditada coisa chamada "ser feliz". (Vejo sobrancelhas arqueando-se ironicamente diante dessa minha romântica afirmação). Cada um em seu caminho e com suas singularidades.
Na arte como nas relações humanas, que incluem os diversos laços amorosos, nadamos contra a correnteza. Tentamos o impossível: a fusão total não existe, o partilhamento completo é inexeqüível. O essencial nem pode ser compartilhado: é descoberta e susto, glória ou danação de cada um -solitariamente. Porém numa conversa ou num silêncio, num olhar, num gesto de amor como numa obra de arte, pode-se abrir uma fresta. O mundo em si não tem sentido sem o nosso olhar que lhe atribui identidade, sem o nosso pensamento que lhe confere alguma ordem. Viver, como talvez morrer, é recriar-se a cada momento. Arte e artifício, exercício e invenção no espelho posto à nossa frente ao nascermos. Algumas visões serão miragens: ilhas de algas flutuantes que nos farão afundar. Outras pendem em galhos altos demais para a nossa tímida esperança. Outras ainda rebrilham, mas a gente não percebe - ou não acredita. A vida não está aí apenas para ser suportada ou vivida, mas elaborada. Eventualmente reprogramada. Conscientemente executada. Não é preciso realizar nada de espetacular. Mas que o mínimo seja o máximo que a gente conseguiu fazer consigo mesmo.
2 comentários:
Levantou inspirada ,hem Jana.
Muito inspirada,eu diria. Beijos e um otimo dia!!
O amor é assim mesmo: pede-se o que não se sabe a quem não sabe o que tem.
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