terça-feira, outubro 11, 2005

Plástica? Botox? Personal trainer? Não. Quero um upgrade no cérebro!

Freqüentemente me sinto assediada por dois tipos de apelos obsessivos. O primeiro deles trata das maravilhas técnicas destinadas ao rejuvenescimento: plástica, botox, lipoaspiração, drenagem linfática, cremes de ovas de caviar, lifting, peeling e demais tratamentos para olhos, lábios, barriga e todas as possíveis e inconfessáveis partes do corpo.
O segundo do nosso cotidiano é a dificuldade de acompanhar a velocidade dos avanços da tecnologia. "Com essa mereca de memória que você tem, em dias não acessará nenhuma página da Internet e não abrirá nenhum dos seus 150 e-mails recebidos por dias", me diz o petulante técnico de informática, espécie abominável que deveria estar em extinção. Quanto atinjo tantos megabytes, é preciso no mínimo alguns gigabytes. Isso sem falar do megahertz, outro estranho padrão de medida que me deixa sem saber quando estou defasada, sem contar nessa bendita memória RAM que nunca consigo alcançá-la.
Nos dois casos, o que nos deixa exaustos é que não basta uma frente de ação, é a demanda continua. Um investimento requer altos níveis de manutenção: a cada seis meses é preciso se atualizar. Personal trainer foi a primeira febre, tudo bem, mas alguns o contratam para caminhadas, será que esquecemos como andar? Daí vieram a dermatologista, a massagista, a nutricionista. Outros tipos de personal começaram a invadir o mercado, até o estilista veio. Imaginei que um dia iria aparecer o personal sexy, e para minha surpresa me deparei com ele há um tempo atrás numa edição da revista Veja. Será que alguém precisa de um personal pra comer, andar, trepar, vestir-se? Ou será que é só uma questão de solidão, de falta de companhia, amor, intimidade com o outro que tanto nos assusta?
Cuido do meu filho, o que me da o maio prazer, mas não posso me descuidar destas três pestes: celular, palm e pc. É preciso um acompanhamento interativo e a compatibilidade é fundamental, senão você está frita. Nunca mais acha e-mail, telefones e compromissos. Estamos mais preocupadas e somos mais eficientes com a rotina do carregamento da bateria do celular do que com o funcionamento do nosso intestino. Esquecer de carregar o celular pode ser uma catástrofe.
Nesta corrida contra o tempo, seja na tecnologia, seja na preservação da carne, o curioso é que a demanda externa é acelerada e antecipada no tempo. Parece uma questão do mercado futuro, compro hoje o papel que vai subir amanhã, puxo hoje porque me dizem que vai cair amanhã.
Estou decidida, preciso de um upgrade! Falei isso para uma amiga e ela me perguntou se já tinha escolhido o médico. Eu disse sim, procurei um neurocirurgião que vai resolver meu problema. É!! Eu desejo uma reforminha, mas não é na barriga que depois de um filho não é mais a mesma, e nem no bumbum, ele ainda agüenta mais um tempo. Queria apenas uma expansão ilimitada e definitiva da minha memória RAM. Queria um upgrade no meu hardware. Já pensou que maravilha?
Assim eu poderia recuperar e acessar todos os momentos da minha vida, lá da mais antiga infância, desde a amamentação, que dizem ser o maior dos prazeres. Haveria no meu hard disc, após essa expansão ilimitada da memória, espaço para registro de todas, todas, as lembranças vividas que eu desejasse preservar. E em qualidade digital!! Poderia priorizar, catalogar como eu quisesse. E mais, aquela que eu desejasse esquecer, bastaria deletar, sem correr o risco de um dia retornar à minha mente.
Lembraria das palavras que disse antes e depois do primeiro beijo, guardaria como imagem digitalizada a luz do nascimento do meu filho, não perderia nenhum daqueles momentos inesquecíveis que a mãe relapsa esqueceu de anotar no álbum da criança. Meu hard disc teria uma biblioteca digital, e eu poderia acessar a qualquer momento tudo que li e amei. De Monteiro Lobato a Clarice Lispector.
Não pararia por ai: gravaria desenhos animados e sessões da tarde, gravaria músicas de novelas, de festas, de fossa. Gravaria todas as cenas de beijos vistas no cinema. Os recursos multimídia são ilimitados de modo que os arquivos seriam registrados com todos os sentidos, até cheiro e paladar. Mediante a um clique no ícone certo até um tesãozinho seria acionado. As lembranças seriam arquivadas em pastas classificadas por assunto, idade, fase da vida.
Bacana mesmo seria um antivírus instalado. Aborrecimentos, maldades, provocações fofocas indesejáveis, encheção de saco seriam barrados na rede e retornariam imediatamente ao remetente. Burrices, perdas de tempo, burocracia, não teriam acesso ao sistema operacional. O antivírus teria função turbo, capaz de apagar mágoas, limpar ressentimentos e até perdoar.
Mas o maior vantagem dessa avançada placa instalada seria um processo contínuo de redigitalização da auto-imagem. Assim, pelo menos pra mim mesma, e por muitos anos, eu permaneceria satisfeita com as marcas do tempo surgindo, com esses pneuzinhos que teimam em estar aqui, e ficaria livre do dermatologista, de todos os "istas", do famigerado técnico de informática e até do neurologista que me daria garantia eterna. Minha vizinha, tem 87 anos, nunca entrou na faca, não conhece nenhum técnico de informática, e jamais ouviu falar em "personal coisas". Mas eu tenho uma tremenda inveja da sua memória RAM. Onde será que ela conseguiu? Em Miami ou Taiwan?

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