terça-feira, outubro 26, 2010

E o que resta é silêncio...

Hoje eu me dei conta. Eu tinha 10 anos quando meu pai morreu. Tenho 31 anos. Ou seja, eu passei mais tempo da minha vida, mais de duas décadas, 21 anos (!!!) sem meu pai. Tenho apenas 10 anos das melhores lembranças da minha vida.

Meu pai erra turrão, bruto e rude num primeiro momento. Mas não era o tipo de pessoa que a “primeira impressão é a que fica”. Ele pegava um chinelo fofo para me bater, fofo gente! Porque meu pai era da geração onde a palmada era necessária, mas sentia tanta dor fazendo isso que dava uma chinelada de chinelo fofo.

Meu pai não sabia ler nem escrever, mas esta pra nascer a pessoa que ganhasse dele numa conta, ou num negócio. Era um pão duro nato, mas nunca conseguiu negar nada para os filhos e nem para estranhos. Era qualquer pessoa chegar falando algo triste, contando aquela história triste que ele já ia tirando a carteira. Me lembro da vez que ele nos fez (eu e minha irmã) tirar o casaco para dar a duas meninas que encontramos na rua. Colocou as crianças no caro, levou para o supermercado, comprou roupas, deu comida, banho e levou-as para casa, quando chegamos lá e ele viu que a família não tinha banheiro comprou material e contratou um pedreiro para construir um. Sabe ele era esse tipo de pessoa, que no inicio intimidava, mas depois você via que o coração dele era compatível com a altura.

E tinha cada pérola: “filha minha tem que saber montar” - e eu aprendi a montar; “a coisa mais feia é menina arrotando” - e eu não sei arrotar até hoje; “homem mija, menina faz xixi” - e é xixi e pronto; “almondega não é carne” - essa foi a única que eu não adquiri, pra mim é carne. Tinha cada filosofia, uma vez numas das diversas brigas que eu tive com a minha irmã, ele nos amarrou cara a cara, a gente não conseguia nem nos mexer e sentenciou: "vocês são irmãs, vão ser irmãs o resto da vida, não tem como mudar, e só saem dai quando aceitarem esse fato e aprenderem a conviver como irmãs".

Foram apenas 10 anos, mas pensando agora acho que tenho mais lembranças destes anos dos que os 21 que se seguiram, não sei se porque quando ele morreu eu me esforcei para guardar tudo, pois nunca mais teria nenhuma nova lembrança. Consegui guardar tanta coisa... A única coisa que não guardei e por mais que eu me esforce, por mais que eu tente, eu simplesmente não consigo me lembrar da voz dele, faz tanta falta.

Esse fim de semana revi “UP” com o Bernardo, e no desenho o escoteiro comenta algo sobre as lembranças boas que ele tinha com o pai, eram chatas olhando de fora, mas para ele era o cotidiano as melhores lembranças. É isso, é das coisas do cotidiano que sinto falta, não das grandes viagens, eu sinto falta de ler o classificado de gado leiteiro todo domingo pela manhã pra ele, de escolher a dedo o nome de todas as vacas da fazenda. De viajar gritando para as pessoas na estrada “olha o chico na estrada!” (eu até hoje não sei o sentido disso, mas era divertido!

Eu demorei todo esse tempo pra me dar conta que vou ter sempre mais tempo da minha vida sentindo a falta dele do que eu convivi com ele.

E o que mais me dói é que vou ver meu filho passar por isso, mesmo que o pai dele não tenha sido lá essa maravilha. Um dia vai ser o dia dele se dar conta.

2 comentários:

Doutrina Cristã disse...

Ola jana

Achei lindo seu testemunho. Pai é pai a gente não esquece né. Eu me lembro de cada detalhe do meu pai também. Um, alias igual ao seu: de ter sido amarrado com meu irmão.
Ps- mandei seu artigo [por e-mail] ao membros da minha Rede Social http://doutrinacrista.ning.com/
espero que não se importe.

abraço

luiz cledio
www.cledio.blogpsot.com

Anônimo disse...

Oi Jana, se eu falar que me derreti em lágrimas vc acredita? TPm braba aqui, solidão braba aqui, pra minha sorte meu pai é vivo, mas talvez pro meu azar ele é tão ausente que é como se estivesse morto...
Beijos